Realizado por Yorgos Lanthimos e inspirado no livro de mesmo nome de Alasdair Gray, Poor Things é uma combinação perfeita de ficção científica, fantasia, comédia e drama. O filme explora temas como a vida, filosofia e feminismo.
A obra cinematográfica e mais recente criação de Lanthimos já está rotulada de peculiar e excêntrica, mas o realizador já não é um estranho a estes rótulos. O cineasta é conhecido pelos seus antigos trabalhos também vistos como peculiares, como “The Lobster” e “The Killing of a Sacred Deer”.
Desta vez a história constrói-se em volta de uma mulher, Bella Baxter, que é trazida de volta a vida por um cientista pouco convencional. O filme mostra-nos a jornada de autodescoberta que Bella inicia quando foge com um advogado para explorar o mundo. Protagonizado por Emma Stone, William Dafoe, Mark Ruffalo e Rami Youssef, a longa-metragem traz uma sensação de casa de bonecas, onde as personagens são mecanizadas e obrigadas a experienciar emoções reais pela primeira vez.
Ao contrário do que a audiência está habituada, este filme é nos apresentado de uma maneira impressionante. O uso de wide angle lenses parece ter sido feito à medida para a produção e adiciona uma sensação de estranheza que assenta como uma luva na trama. Para completar a originalidade e a ousadia é usada uma lente fish eye em certas cenas, algo extremamente arrojado, correndo o risco de não fazer sentido. No entanto aqui parece complementar perfeitamente a história, relembrando-nos que Bella não passa de uma experiência, dando-nos a perspectiva de um cientista que não se deve deixar envolver demais nas suas experiências e projetos.
Outra característica única desta produção é o uso de cidades famosas, como Lisboa e Paris, mas uma outra versão delas, surrealista e absurda, captando ainda assim a natureza verdadeira das mesmas. Numa tentativa de dar uma sensação de ver algo pela primeira vez, estes locais são cheios de cor, luz, movimento e artificialidade, contrastando com o preto e branco dos primeiros 45 minutos do filme, passados em casa de Bella onde esta se sente familiarizada, mas enclausurada. A banda sonora, por sua vez, acompanha a estranheza do que se passa no ecrã, preenchendo o silêncio de uma maneira extraordinária e trazendo à tona um peso emocional escondido nas cenas cómicas e estranhos momentos desta longa.
O design da produção e os figurinos são impecáveis. Tudo é único, bem executado e lindo de se ver, apesar do conteúdo da cena muitas vezes ser perturbador. Vencedor de vários prémios, esta obra cinematográfica é um marco no cinema. Um filme exemplar, completamente original e único e, certamente, uma referência a futuras produções.
Mas tudo isto não seria conseguido sem as performances excecionais dos atores. Mark Ruffalo entrega uma personagem fora da caixa, fazendo rir em cada momento que aparece nas telas. William Dafoe entrega ,mais uma vez, com atuação brilhante, trazendo à vida uma personagem de uma forma tão natural que nem uma personagem parece ser. Mas o Globo de Ouro vai para Emma Stone, entregando uma performance verdadeiramente especial. Tal como outros aspetos deste filme, é uma performance arriscada que pode ser facilmente confundida por vezes como algo ofensivo.No entanto, Stone vive a personagem e dá-lhe um traço trágico, algo que já não vemos muitas vezes. Apesar deste lado sombrio da personagem, a protagonista mostra também um lado engraçado e diverte-se de uma maneira contagiosa onde o público não consegue evitar se sentir envolvido nas mesmas sensações que ela.
Poor Things é excelente na captura dos principais temas da feminilidade, consciência e libertação através de uma excelente escrita, atuação, realização e cinematografia. Mostra-nos como uma mulher reagiria ao mundo se tivesse nascido sem a influência das normas, costumes e expectativas de uma sociedade. De um bebé a uma mulher, Bella passa por todas as fases rapidamente, tendo a capacidade de rejeitar as pressões impostas às mulheres. Para mim, Bella representa mais do que independência, representa soberania.
Título original: Poor Things
Realização: Yorgos Lanthimos
Argumento: Tony McNamara
Elenco: Emma Stone, William Dafoe, Mark Ruffalo e Rami Youssef
Estados Unidos da América
2023