As salas de cinema têm estado repletas de pseudo comentários sociais que mascaram a sua insipidez com elencos de luxo e visuais “escandalosos”. A mensagem não passa por mais de uma mera representação plástica da realidade, sem conseguir realmente abanar o status quo. American Fiction demarca-se do resto destas produções e entrega uma peça com um comentário excitante.
O debute cinematográfico de Jeffrey Cord estreou em setembro de 2023 no Festival Internacional de Filme de Toronto e está agora na corrida para vencer o Óscar de Melhor Filme. A adaptação de Erasure (2001) segue Monk, um escritor literário emperrado que não consegue colocar nenhuma das suas criações mais recentes nas prateleiras das livrarias. Este impasse deriva da opinião peculiar dos editores de Monk não acharem os seus livros “negros o suficiente”.
Frustrado com a situação, Monk decide escrever, por detrás de um pseudônimo, um livro sem alma e repleto de estereótipos afro-americanos chamado “Fuck” como maneira de gozar com a cara da casa de publicações. No entanto, é apanhado de surpresa quando a casa leva o seu livro a sério e credita-o como um dos trabalhos mais honestos e importantes que já leram.
American Fiction explora a hipocrisia dos brancos norte-americanos e como a sua solidariedade é meramente performativa. Evidencia como os afro-americanos são percecionados monoliticamente e não como um conjunto de indivíduos com as suas próprias vidas e problemas. Procuram uma versão sensacionalista das suas vidas, estando interessados apenas em espetáculos baratos.
A longa apresenta este tema comicamente, rindo através de vários cenários satíricos, sobre a ridicularidade do discurso dos pares de Monk. É de salientar a cena em que estão a discutir sobre se “Fuck” devia ser o vencedor de uma competição literária e os dois únicos júris negros discordam deste posicionamento, criticando o óbvio acerca da obra. Os restantes oito júris brancos descartam por completo a opinião dos dois pois acreditam que “vozes negras têm de ser ouvidas”.
No entanto, apesar do bom comentário social, o filme manifesta algumas falhas na construção de personagens, mais precisamente na relação familiar de Monk. A família disfuncional do escritor acabou por depender de clichés, não tendo a narrativa explorado muito profundamente as personagens nem sido capaz de criar uma ligação forte entre elas e o espectador.
Em particular, apesar das atuações deleitáveis de Jeffrey Wright e Sterling K. Brown, o fechamento do arco dos irmãos não foi o mais satisfatório. Apontam-se também falhas nas categorias mais técnicas. Talvez devido à maior familiarização do realizador com o mundo da TV, o visual do filme acabou por não ser muito cinemático, o que resultou numa cinematografia não muito dinâmica ou imersiva.
Apesar das falhas, American Fiction é uma visualização hilariante e merecedora do seu tempo. Pode não cativar em todos os aspetos, mas é um trabalho íntegro e com voz, capaz de entreter e estimular o espectador.
Realização: Jeffrey Cord
Argumento: Jeffrey Cord
Elenco: Jeffrey Wright, Sterling K. Brown, Erika Alexander e John Ortiz
Estados Unidos da América
2023