O dia pretende dar luz a pessoas da comunidade LGBTQIA+ que não se identificam com o seu género de nascimento e com práticas cisnormativas.

Comemora-se a 31 de março o Dia Internacional da Visibilidade Transgénero, pautado pela celebração da “diversidade na Identidade de Género, de todas as pessoas trans, binárias ou não binárias, as conquistas alcançadas, os direitos adquiridos, a liberdade de ser independente dos padrões cisnormativos”, segundo a Opus Diversidades.  Este dia subverte ideologias e práticas transfóbicas na reiteração pelos direitos humanos e justiça social.

Aceitação e descoberta da identidade de género:

Em conversa com o ComUM, André Luís expressa que sempre soube que não se identificava com o seu género de nascimento. “Em criança eu já dizia aos meus pais que era um rapaz e queria que me tratassem por pronomes masculinos.” Para Ema Carvalho, o processo de descoberta foi mais tardio, pelos seus 18 anos. Ema descreve que “foi um processo um bocado complicado porque também estava num ambiente não muito inclusivo, então não tinha muita informação” e demorou assim algum tempo a perceber aquilo que era.

 

André – Entrevista completa

 

Para ambos, o processo de aceitação por parte de terceiros foi difícil. André refere que perdeu vários dos amigos que tinha, justificando que foi em parte pelas escolhas que fez ao relacionar-se com pessoas que não aceitavam a diferença. Os pais sentiram-se culpados porque não o acompanharam enquanto criança, por acharem ser algo temporário e parte da descoberta da idade. Ema aponta como a parte mais difícil do processo a aceitação familiar, sobretudo pela falta de compreensão dos pais da realidade transgénero e do que implica “ser uma pessoa trans”. André reforça também que, “no geral, as pessoas não sabem o que é ser uma pessoa trans até conhecerem uma, então não conhecem aquela realidade, quando se vai conhecendo vai-se normalizando”.

“Há situações um bocado constrangedoras, sempre que me perguntam como me chamo e eu digo “Ema”, há pessoas que não compreendem e outras que não reagem muito bem.” Ema admite uma certa confusão por parte das pessoas, mas salienta que esta depende do ambiente e do indivíduo. A entrevistada adianta que o ambiente social da aldeia, o desconhecimento, o meio altamente religioso e intolerante são sobretudo os fatores que dificultam essa aceitação.

Ezra, representante do Clube Rainbow, afirma que encontrar o termo não binário na questão de género lhe trouxe uma maior liberdade na forma como lidava consigo mesmo e com a sua identidade. Sublinha que “as pessoas que aceitaram melhor foram pessoas Queer, porque já eram mais familiarizadas com os termos” e acrescenta que é mais difícil para pessoas que nunca tiveram contacto com o assunto perceber a realidade em causa. O representante do Clube Rainbow explica que “pessoas visivelmente trans, especialmente mulheres trans, sofrem mais, porque em última instância veem-nas como homens vestidos de mulheres”, o que complica o processo de reconhecimento e aceitação social.

 

Ezra – Entrevista completa

 

Saúde para pessoas trans em Portugal:

As questões da saúde para pessoas transgénero são amplamente discutidas. André reforça que “enquanto sociedade se fala da saúde da mulher e não da saúde reprodutiva, no momento homens trans e pessoas não binárias não estão incluídas na conversa”. Ezra destacou que pessoas transgénero ou não binarias têm “de procurar por médicos específicos, portanto têm de fazer essa filtragem quando não devia ser um requisito, deviam poder ir a um médico e não se preocupar com isso”. O representante do Clube Rainbow expressa que o preconceito é uma das barreiras, assim como a falta de preparação dos médicos, psicólogos e outros profissionais de saúde que devia começar nos cursos universitários. Ezra relata ainda que existe preconceito e estigma em serviços de saúde especializados para pessoas trans onde estas se “deveriam sentir seguras”, inclusive no Hospital de Braga.

Educação:

Nos últimos meses, questões como a autodeterminação de género e as casas de banho neutras têm sido alvo de opiniões diversas pela parte dos pais e educadores, assim como educação sobre o género e a sexualidade. “Eu não acho que seja tão difícil explicar isto a uma criança, as crianças não vão saltar para questões sobre a genitália, isso é algo que os adultos fazem.” O representante do Clube Rainbow sublinha que a presença de dificuldade de aceitação por parte das crianças surge frequentemente associada à influência dos pais.

Ema destaca que “é sempre importante educar as crianças para aquilo que existe no mundo real” e se pessoas trans existem, a entrevistada acredita que crianças devem desde cedo perceber que “isso é uma realidade”.  Considera, portanto, importante explicar às crianças que nem toda a gente se identifica com o papel de género atribuído à nascença e André concorda, referindo que “as pessoas nascem trans, não se tornam trans”.

 

Ema – Entrevista completa

 

Ezra destaca que existe “um certo desfasamento entre as leis que são lgbt+ friendly, mas a sociedade em si não é tanto”. André e Ema reforçam que Portugal precisa de trilhar mais caminhos para pessoas trans em todos os campos.  Os três entrevistados deixam como mensagem principal que existem sempre comunidades de apoio disponíveis para pessoas que passem situações semelhantes e que as “coisas melhoram com o tempo”.

O Dia Internacional da Visibilidade Transgénero surgiu por iniciativa de Rachel Crandall, ativista transgénero norte-americana cofundadora e diretora executiva da associação Trangender Michigan. O dia começou por ser destinado à celebração das conquistas de pessoas trans, não binárias e de género diverso porque já existia o Dia Internacional da Memória Transgénero. Contudo, este dia passou a ser associado com os crimes e violência contra pessoas trans, popularizando o Dia Internacional da Visibilidade Transgénero como o de representação da comunidade.