Celebra-se abril. A Revolução dos Cravos abriu-nos a porta para a democracia e para o resto do mundo. Mantém-se o sonho de termos um país próspero e de verdadeira igualdade, mesmo sabendo que ainda há muito por fazer. Mas afinal de contas, celebrar a liberdade também é celebrar a cultura.

A cultura é ímpar no que toca a fazer-nos refletir, recordar-nos o que somos e lembrar-nos de onde viemos: cheguei a tocar nisso no meu primeiro editorial.  É sabido que não era isso que o regime da época apreciava. O Estado Novo tinha os seus motivos para não querer um povo culto e informado no Portugal cinzento onde o mar acabava e a terra esperava, como viu José Saramago pelas lentes de Ricardo Reis.

O “lápis azul” riscava obras inteiras, a apresentação de peças era impedida, a informação divulgada às pessoas estava condicionada. A censura silenciou nomes e vozes como os de Maria Teresa Horta, Zeca Afonso, José Régio e tantos outros. Fernando Tordo, com “Tourada”, vencedor do Festival da Canção de 1973, passou pelos pingos da chuva.

O 25 de abril mudou esse paradigma. Logo após a queda da ditadura, o Movimento das Forças Armadas (MFA) exigiu a divulgação de iniciativas culturais que garantissem o “futuro exercício efetivo da liberdade política dos cidadãos”. A liberdade de expressão também chegou às artes e muitos quiseram fazer parte da Revolução. Honravam-se figuras da resistência como Dias Coelho e Catarina Eufémia. Cantava-se contra o fascismo e para o povo na “explosão” de artistas que emergiram neste período.

Os agentes culturais ganharam, não apenas pelo apelo do MFA, um novo papel social na democracia. As salas de teatro e de cinema enchiam para respirar os ares de um novo mundo que chegava a Portugal. Porém, com o passar do tempo, surgiram novas necessidades para colmatar. Ainda é preciso fazer mais para que a cultura chegue a toda a gente e não seja vista como algo inalcançável ou demasiado “erudita” para as pessoas comuns: sejam os “filhos dos homens que nunca foram meninos”, de quem nos falou Soeiro Pereira Gomes, dos idosos aos mais novos.

Em vez de replicar sempre os mesmos apelos, desafiemo-nos a pôr em prática aquilo que almejamos cumprir. Que o novo Governo invista mais nas artes e no seu papel para informar as pessoas e as dotar da capacidade de ver além das rotinas. Valorizar a cultura é, por isso, exaltar a liberdade e a democracia. E a liberdade e a democracia são indissociáveis da cultura.