Foi no início deste ano que I Saw The Tv Glow chegou aos ecrãs dos espectadores. A obra de Jane Schoenbrun conta com a presença de Justice Smith e Brigette Lundy-Paine e vê-se muito mais complexa do que aquilo que parece.
Comecei a ver o filme sem saber, de todo, do que se tratava e com a ideia de que seria só mais um filme de terror leve. No entanto, no final da longa-metragem, depois de dedicar algum tempo a ler algumas análises e a ver entrevistas dos atores e equipa, percebi que o terror pressuposto não seria de todo sentido por todos, mas por aqueles que se identificam com a mensagem do filme – o terror de escondermos quem queremos ser e viver no sufoco de não nos podermos libertar disso.
A longa-metragem acompanha a relação de dois jovens Owen (Justice Smith) e Maddy (Brigette Lundy-Paine), que partilham o interesse pela série televisa The Pink Opaque. A série foca-se em duas personagens: Tara (Lindsey Jordan) e Isabel (Helena Howard), residentes de um mundo dominado pelo Mr. Melancholy que, em cada episódio, envia algum monstro que as duas precisam de enfrentar, através da sua conexão psíquica. À medida que vemos o filme se desenrolar, percebemos que Owen e Maddy começam-se a envolver cada vez mais com a série e o que é real começa-se a entrelaçar com o que é fictício, desafiando as suas percepções da realidade e os seus próprios limites.
A série de Pink Opaque simboliza a realidade em que Maddy e Owen vivem e tem um simbolismo muito próprio, determinante no crescimento e desenvolvimento das personagens. Numa parte do filme, Maddy associa cada um deles a uma das personagens da série, referindo-se a Owen como “Isabel” e incorporando “Tara”. Assim, a conexão que ambas têm na série simboliza a conexão que Maddie e Owen desenvolvem no mundo real. Mr. Melancholy, por sua vez, simboliza a depressão, culpa e toda a ansiedade em que os dois vivem, bem como os monstros que aparecem de episódio em episódio, que refletem os demónios interiores que ambos têm de enfrentar na vida.
Schoenbrun deixa bem claro em entrevistas a forma como vê e olha para este filme: uma história de relevação trans. São várias as cenas, ao longo do todo o filme, que nos remetem para tal e, embora a diretora não nos entregue tudo de forma “transparente”, os sinais estão lá. O “eu” autêntico de Owen, dentro de The Pink Opaque, era feminino e, são várias as cenas em que ele aparece com um vestido (os momentos mais próximos em que abraça a sua verdadeira identidade). É por isto que Maddy quer levar o personagem numa jornada até ao seu corpo real e verdadeira identidade. No entanto, sendo este um caminho doloroso, Owen recua e opta por viver na utopia de quem não é, permanecendo na sua antiga vida.
Este é um filme sobre descoberta pessoal, aceitação (e rejeição) daquilo que somos e da forma como a vergonha e o medo nos consomem e nos sufocam. Owen sofre até ao final da obra com este fardo e questiona-se sobre como teria sido se tivesse abraçado as revelações que Maddy lhe trouxe: “What is she was right? What is I was someone else? Someone beautiful and powerful? Buried alive and suffocating to death on the other side of a television screen?”
A obra de Schoenbrun pode ser, em certa parte, confusa e muito subjetiva. Deixa algumas questões no ar – como, por exemplo, o que terá acontecido a Maddy -, mas, por outro lado, dá espaço ao espectador para interpretar a obra à sua própria maneira. São vários os sítios para onde os espectadores podem viajar e acredito serem várias as interpretações da longa.
O filme ganha mais pontos pelas cores que adota. Os tons néon saturados estão presentes em todo o filme e vão viajando pelos tons rosa, verde e azul. Os cenários também foram perfeitamente decorados e escolhidos. Tudo se interliga, notando-se um cuidado para os adereços e os cenários irem de encontro ao que se passa no filme. Nasce uma atmosfera muito retro, que alimenta mais a narrativa e, de certa forma, nos deixa mais imersivos. Para além das cores, também a banda sonora, que conta com nomes como Phoebe Bridges, King Woman e Drab Majesty, foi um dos fatores mais apreciativos. Podemos não captar logo, mas cada música parece ter sido feita e escolhida a dedo para os momentos em que é colocada. Cada uma está fortemente ligada ao tema do filme e reforçam as diferentes questões que atormentam os personagens, mas também a conexão entre ambos.
I Saw The TV Glow é uma analogia muito singular e misteriosa do que é a aceitação daquilo que temos dentro de nós, que sabemos que existe, mas nos custa olhar. Existe dentro de nós verdades e infinitas possibilidades avassaladoras daquilo que somos e não queremos ver. Basta olhar, sentar-nos com o desconforto e escolher que vida queremos seguir – uma vida passiva onde fechamos os olhos à nossa verdadeira identidade ou uma vida em que conseguimos ver a luz do outro lado da televisão.
Título Original: I Saw The TV Glow
Diretor: Jane Schoenbrun
Argumento: Jane Schoenbrun
Elenco: Justice Smith / Brigette Lundy-Paine / Helena Howard
2024