Mais de dois milhões de portugueses encontram-se, neste momento, em situação de vulnerabilidade económica.
O número de pessoas que vivem com menos de 591€ está em subida, uma situação “alarmante”, segundo o alerta da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN). No dia internacional da erradicação da pobreza surgem várias chamadas de atenção e novos dados para retratar este flagelo social.
Portugal ocupa neste momento o 13º lugar na união europeia no risco de pobreza ou exclusão social. Mesmo a meio da tabela, cerca de 20% da população sofre desta dificuldade. Esta questão é universal a todas as faixas etárias, todavia, em declarações à Sic Noticias, a coordenadora da EAPN salienta que “as mulheres, as crianças e os idosos” são os grupos mais afetados.
As associações e organizações são muitas vezes o único recurso para colmatar estas situações precárias. A associação CASA – Casa de Apoio aos Sem Abrigo, que apoia os mais carenciados com especial ênfase os sem abrigo, é um desses exemplos e conta com várias delegações e subdelegações. O ComUM foi ao encontro de Margarida Oliveira, coordenadora da subdelegação de Felgueiras. A responsável constata que se “nota um crescimento de pedidos de ajuda” e que a associação tem um forte “impacto, porque nós realmente fazemos a diferença e somos uma mais-valia para quem nos bate à porta, são casos incríveis da extrema necessidade”. Em entrevista com o ComUM, a coordenadora relata-nos a história e o funcionamento da associação, o crescimento do número de carenciados e ainda histórias de superação.
COMUM: Quando foi criada a associação (Casa- Felgueiras)?
Margarida Oliveira: Foi criada há 12 anos com um grupo de professores de religião moral, em que um deles se lembrou de ir levar refeições às ruas do Porto, numa ação escolar. Depois começaram-se a juntar vários alunos. E assim fizeram todas as sextas-feiras, de 15 em 15 dias, levando à rua massa, juntando-se à CASA Porto, que é a nossa sede principal. Mais tarde fui convidada a ir com esse grupo e entretanto, a coordenadora da altura ficou grávida convidou-me e eu aceitei de ficar no lugar dela. Já vai um tempinho que me dedico de corpo e alma a esta causa.
COMUM: Qual é a vossa missão principal?
Margarida Oliveira: Neste momento é os sem-abrigo na associação Casa Porto. Na nossa subdelegação (Felgueiras) já não há tanto sem-abrigo. Há mais os “sem-teto”. Mas temos o cuidado de, de 15 em 15 dias, ir ao Porto às sextas-feiras dar um contributo aos três restaurantes solidários que temos.
COMUM: O que são os “sem teto” para a associação?
Margarida Oliveira: Sem teto é uma palavra, que, às vezes, nos faz lembrar que é brasileira, mas não é. É bem portuguesa. São pessoas que têm uma casa, mas que muita delas lhes chove tanto lá dentro quanto cá fora, que apesar de terem ali a sua casa, muitas delas, por questões inesperadas ou de outras patologias graves como cancro da mama, autismo, trissomia 21, alcoolismo, esquizofrenia, tem grandes dificuldades financeiras em se manter. São pessoas que se sentem diminuídas e sofridas. O maior número de situações, aqui nesta associação, é mesmo esquizofrenia.
COMUM: Qual é então as principais Fontes de financiamento da associação, visto que abrange tantos casos e diversos? Onde é que vão buscar meios? Quais são?
Margarida Oliveira: A partir do momento em que eu fiquei à frente da associação, sendo uma pessoa conhecida no meio e sendo dona de uma loja (florista), foi fácil arranjar alguns mecenas desde clientes da loja, amigos, clientes do meu marido e até mesmo conhecidos. Contudo, a principal fonte que nós temos são as recolhas dos Pingos Doces duas vezes por ano. Essas recolhas são fundamentais para encher a nossa sede. Sem elas, nós não conseguiríamos fazer nada. Nós temos ainda o apoio diário aos nossos carenciados e esse apoio também não seria possível se não tivéssemos a ajuda do Pingo Doce. Nós, diariamente, às 9:00 da noite entramos no Pingo Doce para levantar os excedentes e às 21:30 começam a ser distribuídos pelas famílias que já lá estão à espera. Todos os 365 dias no ano.
COMUM: Para além da alimentação, há alguma outra área que a associação atue?
Margarida Oliveira: Sim, tentámos sempre ajudar no máximo que conseguimos. Vamos em busca de financiamentos para compor as casas, pois são casas que não têm condições nenhuma de habitabilidade. Fazemos o apelo a muitas entidades, para que consigamos reunir as melhores condições, como por exemplo de eletrodomésticos, que por vezes antes do abate, se puderem ser arranjados, nós ficamos com eles para dar às famílias.
COMUM: Quais as formas que um cidadão que possa estar interessado em ajudar o pode fazer?
Margarida Oliveira: Temos o nosso NIB que está na nossa página do Instagram e do Facebook. O nosso NIB serve para que as pessoas possam fazer uma transferência e de imediato nós fazemos o recibo. É sempre dedutível em IRS e esse dinheiro serve para assegurar, principalmente, as despesas de gasóleo e para a compra de bens que não que não temos para a confeção das refeições, como peixe ou carne.
COMUM: Para resumir, a associação fornece cabazes mensais e fornece-se a alimentação diária a essas famílias, é isso?
Margarida Oliveira: Ora bem, nós todos os dias servimos refeições. Se o agregado familiar é de 5 pessoas, leva comida para 5 pessoas, 3 leva para 3, mas no primeiro domingo de cada mês, as pessoas levam um cabaz, um cabaz com uma lista bastante composta de produtos, que pode ir de 60 a 80€ e no Natal, todas as nossas famílias levam o bacalhau. Todos os dias, as famílias levam ainda queijo, fiambre, iogurtes, queijos frescos, legumes, frutas, bolos, pão e as refeições feitas, portanto, o que já ajuda bastante. A família, com esta ajuda, já compõe bastante a vida, não gastando tanto dinheiro no supermercado.
COMUM: Neste momento, tem em mente uma estatística oficial de quantas pessoas vocês ajudam na associação?
Margarida Oliveira: Devo-lhe dizer que de mês para mês difere, mas variam entre as 400 a 600 refeições mensais que servimos aqui em Felgueiras.
COMUM: Nestes anos de trabalho que já têm na associação de certeza que já passaram imensas pessoas por si. Recorda-se alguma história de superação que possa ser partilhada aqui no Comum?
Margarida Oliveira: Conheço algumas e que me deixam felizes, mas a que mais me satisfaz é mesmo a de um casal, que são pais de um menino autista. Tinham uma filha e nasceu um menino autista. A vida deles levou uma transformação tão grande e nós estivemos ali ao lado deles, hoje já conseguiram estabilizar a vida deles e foram-se adaptando às necessidades.
COMUM: Por fim, um mote final a que todas as pessoas que queiram ajudar e queiram se dirigir à associação.
Margarida Oliveira: Quem se quiser juntar a nós, é muito bem-vindo. Leva-te aqui uma escola para a vida, aprendem muito connosco, porque nós não só damos aos outros, como também damos aos nossos voluntários. Nós somos uma família, interagimos como tal e crescemos uns com os outros.