Outubro está a chegar ao fim. Há um tema do qual não escapamos sempre que ligamos o rádio ou a televisão: o Orçamento do Estado. É a altura de os portugueses conhecerem as contas que o Estado fez para o ano seguinte – se bem que ouvimos mais falar das quezílias entre os líderes políticos do que das propostas para o país.
Na passada quarta-feira, decorreu, no Palácio Nacional da Ajuda, a apresentação da versão final do Orçamento de Estado para 2025. O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, elencou as quatro áreas de atuação do programa para a Cultura, destacando-se a formação artística, o acesso cultural, as verbas para a indústria audiovisual e a preservação do património.
Para além disso, em 2025, o Ministério da Cultura vai poder investir quase 600 milhões de euros: mais 25% do que no ano passado. É uma boa notícia? Claro que é! Tal como foi o novo regime de entrada gratuita nos museus e palácios portugueses (também conhecido como “Acesso 52”). Mas isso não chega para resolver os problemas estruturais que abalam o setor.
A saúde, a educação e a habitação, por exemplo, têm uma urgência de investimento bastante superior face à quantidade de pessoas que de si dependem. Mas ano após ano, ouvimos promessas de que a verba do OE destinada à Cultura vai chegar aos 0,5%. O Governo promete que o orçamento para o setor vai subir 50% até ao fim da legislatura, mas 2025 será mais uma oportunidade perdida.
Voltando às áreas de atuação do OE: há, naturalmente, pontos positivos a registar. A celebração de novos contratos-programa com fundações do setor e a reabilitação do património cultural, ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), são exemplos disso. Basta ver as obras necessárias no Teatro Camões ou no Palácio Burnay, em Lisboa. Está também prevista a construção do Arquivo Nacional de Som.
Mas estas não são as soluções mais difíceis. As medidas apresentadas não permitem avaliar, para já, como é que o Governo vai enfrentar os principais desafios para o setor. Como é que se combate a precariedade no trabalho, a dependência do Estado e as desigualdades regionais?
Se uma parte do PRR vai ser alocada para a requalificação e conservação de monumentos, é normal que a verba disponível também aumente. Mas os baixos salários dos trabalhadores culturais – dos artistas a toda a equipa por trás da montagem de um qualquer espetáculo – não trazem qualquer incentivo à entrada no setor, tal como a oferta de emprego.
Mudar o regime legal do mecenato em Portugal é uma iniciativa que, ao fim de tantos anos de discussão, continua por avançar. Constou do programa da Aliança Democrática, que venceu as legislativas em março e formou governo. É preciso tornar mais atrativo o investimento na cultura no nosso país. Não podemos rejeitar o contributo dos privados quando permitem ao Estado poupar dinheiro público para necessidades mais importantes no próprio setor. O Parlamento aguarda a proposta do executivo, após ter chumbado a do Partido Socialista.
Os grandes meios urbanos absorvem a maioria dos recursos destinados a projetos culturais. É criado um desequilíbrio face ao resto do país cuja mitigação deve ser prioritária. É aí que deve entrar a articulação entre Lisboa e as autarquias – felizmente prevista neste OE – seja no apoio a festivais ou à dinamização das bibliotecas públicas, por exemplo.
Chegados a este ponto, o cenário não é diferente de há um ano atrás. A meu ver, no que toca à Cultura neste Orçamento, as expectativas são maiores (e melhores). Para não adiarmos uma mudança de paradigma, exigia-se mais ambição para combater os problemas estruturais do setor.
Sim, há mais dinheiro. Mas o investimento numa área com as dificuldades reconhecidas é como um bolo: podemos meter fermento para que cresça, se faltarem mais ovos ou uma pitada de açúcar, o sabor não muda. E a receita não tem sucesso.