Viveram-se semanas atribuladas para o desporto. Não me refiro às prestações dos representantes nacionais nos seus respetivos palcos (porque, desde já, os atletas portugueses têm-nos dado razões para sorrir). Falo, sim, da discussão da verba a ser atribuída ao Desporto no Orçamento do Estado (OE) 2025. Um Governo confuso a personificar a cultura de desvalorização desportiva que caracteriza Portugal.
O cidadão português ficou, certamente, confuso com a visão que o executivo tem vindo a demonstrar para o desenvolvimento desportivo. Em setembro, ouvia-se Luís Montenegro prometer um aumento de 20% no investimento para o próximo ciclo olímpico e paralímpico. Semanas depois, anunciava-se uma descida de 15,5% no montante destinado ao Desporto na proposta do OE25 (de €50,3 milhões, em 2024, para €42,5 milhões).
O posicionamento do Governo provocou um natural choque no país, especialmente nos organismos responsáveis pela área em Portugal (COP, CPP, CDP e FADU, por exemplo) que se demonstraram publicamente indignadas com a fraca aposta do executivo. Mas nada temam, atletas portugueses. Afinal, o Desporto pode esperar €54,5 milhões, €12 milhões acima do valor inicialmente anunciado, tratando-se de uma “inconsistência na classificação dos valores”. Ou pelo menos foi esta a justificação que o executivo apresentou em comunicado.
Mais tarde, o secretário de Estado clarificou o erro inicial, dizendo que “houve falta de três linhas de cruzamento dos vários ministérios que carregam dotações”. Por outras palavras, não foram contabilizados valores alocados de forma indireta, que estão distribuídos por outros ministérios. Falamos, por exemplo, da aposta no desporto escolar, que consta na pasta do Ministério da Educação.
A questão levanta-se quando se verifica que estes tipos de misturas não constavam em orçamentos passados. Aliás, considero que tal nem sequer faria sentido. Se fizesse, teríamos de ir mais longe e incluir toda a verba para o Desporto no orçamento para a Saúde, conhecendo todos os benefícios que uma vida ativa tem na prevenção de doenças. No meio de tantas incertezas, certo é que o Governo se demonstrou verdadeiramente inconsistente com as políticas públicas apresentadas, bem como pouco claro no discurso apresentado.
Contudo, é evidente que o verdadeiro problema não é de natureza partidária. Perpetua-se uma mentalidade que desvaloriza a importância da atividade física na vida dos portugueses. A própria cultura nacional precisa de se consciencializar da importância que o desporto tem na vida humana, seja pelos benefícios para a saúde, para a educação, ou mesmo para fomentar o espírito de sociedade.
Atualmente, Portugal apresenta dados lamentáveis que classificam o país como um dos mais sedentários da União Europeia: 6% dos portugueses pratica menos de 1h30 de atividade física semanal; 31,9% das crianças dos seis aos nove anos apresentam excesso de peso e 13,5% são obesas. Mesmo com estes indicadores, o investimento no país é de cerca de €40 por habitante, €73 abaixo da média da UE.
Agora, a bola deve ser passada para os atletas, que tão bem conhecem a realidade em questão, e para as entidades que regulam a prática desportiva em Portugal, para que estas continuem a defender o impacto positivo que a aposta nesta área tem para o país. É extremamente importante reivindicar um crescimento adequado para o desporto nacional, seja a médio ou a longo prazo. Afinal, esta pressão tem produzido resultados (pelo que a experiência das últimas semanas aparenta) a curto prazo. Cabe, agora, alvejar por mais.