Sete anos após o lançamento do seu último álbum, Mimicat estreia um novo disco. Peito é um projeto com algumas falhas, mas, mesmo assim, agradável de ouvir.
Após a boa receção de “Ai, Coração”, canção que representou Portugal no Festival Eurovisão de 2023, a artista começou a apostar mais neste género de música… E foi uma ótima decisão! A voz de Marisa Mena, o “verdadeiro” nome de Mimicat, encaixa como uma luva em ritmos animados inspirados na música tradicional. Imediatamente na faixa de abertura, Multidão, este novo estilo é apresentado.
Também foram incluídas passagens mais calmas no LP. Um exemplo disso é a faixa “Dizer Por Dizer”, com a participação de Catana. A letra é bastante emocional. O piano jazzy e o uso de um coro elevam a canção a um nível superior. Fora que é um dos poucos casos da música atual em que uma segunda estrofe interpretada por um rapper resultou.
Porém, a comparar com o começo e os singles já introduzidos anteriormente, o “recheio” do projeto foi uma desilusão. É triste dizer isto, especialmente porque a voz de Mimicat é esplêndida, de uma grande versatilidade. No entanto, acaba por ser ignorada e por passar despercebida face aos defeitos presentes na estrutura de Peito.
Pela primeira vez na sua carreira, Mimicat explorou a escrita de letras em português. O trabalho realizado foi bastante sólido. No entanto, há momentos em que parece que a lírica cai no cliché. Um ponto que serve de conexão narrativa entre as faixas do disco é a superação de um término, o que levou à repetição de ideias (como a da “rapariga nova”), que chegam a ser cansativas.
As duas canções que terminam Peito são uma ode ao resto da discografia da cantora. Ambas são em inglês e têm um estilo mais para o blues. São uma forma de demonstrar que a essência de Mimicat está presente neste novo álbum, apenas com uma roupagem levemente diferente. Destas duas, destaca-se “Sacred Floor”, pela forte e ótima presença do trompete e também pela forma como termina o disco.
Se fosse necessário representar este álbum em apenas uma ou duas faixas, seriam “Ai, Coração” e “Peito”. São as canções que melhor encapsulam a essência do disco. Fora que são as mais detalhadas e bem trabalhadas de todas. São o melhor que o álbum oferece.
https://youtu.be/-uY37gGPkNU?si=mFp1OsCusTNdRPmQ
“Ai, Coração” foi a grande introdução para uma nova era na carreira de Mimicat (que culminou na edição do projeto). A canção mistura perfeitamente fado corrido com cabaret, mescla o novo estilo com aquela que é a imagem de marca da artista. A letra é extremamente aditiva. Vocalmente, Mimicat dá um “espetáculo”, salientando-se o belting no final da canção. A instrumentalização é simplesmente sensacional: a introdução, com a escala de piano seguida dos trompetes, apresenta um contraste incrível; o uso da guitarra, após o primeiro refrão, foi muito bem posicionado na estrutura da canção. “Ai, Coração” é esplêndida, até ao mais minucioso detalhe!
Já “Peito” é o tema que dá nome ao disco e talvez a melhor letra escrita por Mimicat, até agora. Na canção, não está presente nenhuma performance vocal impactante: o importante é a composição. A lírica bastante descritiva sobre as saudades de um relacionamento que terminou é de grande vulnerabilidade. O instrumental é ricamente detalhado. A melodia do piano transmite melancolia. Imediatamente após o primeiro “boom” da batida, antes do refrão, o ouvinte parece passar por uma experiência transcendente. Porém, o pormenor mais impactante e significante é o uso do som de palpitações do coração: é uma boa forma de representar as ideias de “peito” e de “coração” presentes ao longo deste disco, símbolos da entrega e sinceridade que Mimicat e a sua equipa entregaram no projeto.
Peito é um disco satisfatório, mas nada de extraordinário. É um bom tempo passado a ouvir uma das grandes vozes portuguesas da atualidade. Tem algumas “pérolas” que fazem notar a dedicação posta no álbum, mas que, infelizmente, foram desperdiçadas num péssimo alinhamento.