As duas últimas semanas foram marcadas por mortes impactantes: Liam Payne e Marco Paulo. Milhares de fãs homenagearam os seus ídolos.  Nos media, surgiram burburinhos e opiniões divididas. Faz sentido chorar por alguém que nunca conhecemos?

A conversa sobre o fanatismo é longa. O fenómeno conecta-se à febre adolescente, muitas vezes considerada passageira e habitual da puberdade. Foi o que mais se comentou quando, de norte a sul do país, se viram tributos a Liam Payne, ex-membro dos One Direction.

Porém, outras imagens que vimos nas televisões e nos nossos telemóveis provam o contrário. Na Basílica da Estrela, centenas de fãs acompanharam a cerimónia fúnebre de Marco Paulo. Com cachecóis no pescoço e flores na mão, várias vozes homenagearam o artista num último adeus.

A discussão surge porque as ações são praticadas por um público essencialmente feminino. A sociedade ainda associa o fanatismo feminino a algo “absurdo”: os gritos eufóricos, as longas horas à espera de espetáculos, as tatuagens, as lágrimas de emoção. Todas estas atitudes são muitas vezes qualificadas como histerismos. Para a sociedade, fica mal a uma menina, quase mulher, ter este tipo de comportamentos. Muito menos uma mulher, já casada e com filhos. O “histerismo” é “justificável” apenas para jovens adolescentes, que precisam de passar o tempo com alguma coisa. Mas não vemos comportamentos semelhantes aceites em comunidade?

 Em todos os jogos de futebol milhares de pessoas vestem as cores do seu clube. No final de cada dérbi, é comum vermos adeptos infelizes por perderem a oportunidade de avançar na competição. Quantas vezes é notícia confrontos após um evento futebolístico? Então, qual é a diferença entre o apoio dos adeptos desportivos e o histerismo das fãs de cantores? Trata-se do mesmo fascínio, apenas em diferentes setores. Onde está a linha que separa o êxtase de uns e o descontrole de outros?

Isto não significa que todos os tipos de comportamentos de fãs sejam toleráveis. Há que separar a admiração do sentimento de posse. Mas não vejo mal em quem vive o luto de uma celebridade.

É o engraçado das relações parassociais. Mesmo sem ter convivido com o ídolo, os fãs crescem e vivem experiências enquanto o acompanham. Criam-se amizades e laços profundos. Mesmo não estando presentes presencialmente, as figuras públicas fazem companhia aos seus admiradores. Por isso, em momentos de despedida, os fãs sentem que “perderam um amigo”.

O Público fez um artigo interessante sobre o assunto. Contactaram com psicólogos, que afirmam que “nunca deve ser ridicularizado o luto por um ídolo”.  Tanto Liam Payne como Marco Paulo marcaram o crescimento de milhares de fãs. Ver essas recordações a serem levadas pelo vento pode ser tão doloroso quanto “o que sentimos por alguém que nos é próximo”, palavras do psicólogo Miguel Ricou, em conversa com o Público.

É preciso naturalizar estas emoções de perda invés de ridicularizar, por mais que o senso comum ache “absurdo”. Ao mesmo tempo conectamos com quem está connosco todos os dias, existe também a possibilidade de nos ligarmos a quem assistimos à distância. Este “fio invisível” é o que salva muitos jovens, que os compreende quando não há quem lhe estenda a mão. E até que a visão da sociedade sobre os fãs mude, que continuemos a homenagear quem nos trouxe felicidade nesta vida.