Não é novidade para nenhum de nós que vivemos cada vez mais embrenhados nos nossos próprios mundos digitais. A internet e o mundo que existe dentro dela vieram para ficar. Como todos os mundos, este também tem uma cultura própria. A forma como criamos, partilhamos e consumimos cultura é cada vez mais restrita ao meio digital.

Quando observamos as gerações mais novas, com destaque para a geração Z, e prestamos atenção aos seus hábitos, muito provavelmente iremos ouvir frases como “o Tiktok é o novo Google” e “eu leio tweets como se fosse um jornal diário”. O problema desta transição quase total para o mundo digital é o facto de ser cada vez mais simples espalhar informação falsa, problema este que se agrava com o constante desenvolvimento das tecnologias de inteligência artificial.

Desta forma, a inserção das gerações mais novas na cultura da internet apresenta-se como um pau de dois bicos. De um lado, temos a decadência dos meios de informação oficiais, que perdem para redes sociais mais apelativas do que as notícias do mundo real e o acesso desenfreado a qualquer informação e resposta. Do outro, temos a criação de uma comunidade de partilha de todo o tipo de conteúdos, culturas e vidas. A verdadeira globalização dá-se dentro do espaço não palpável que é a Internet.

É a partir deste fenómeno que nos é possível experienciar um punhado de eventos em tempo real, tudo enquanto vivemos no nosso próprio tempo. Livestreams de concertos, stories publicados quase instantaneamente, TikTok’s de qualquer lado do planeta, BeReals uma vez ao dia… os exemplos são intermináveis. A possibilidade de experienciar e conhecer uma realidade que não é a nossa é o que torna a Internet algo tão apelativo e às vezes até viciante. Este é o lado do prisma para que se olha mais frequentemente quando se fala da emergência do digital. Mas este não é um espaço apenas de partilha, é também onde se gera e cria muita cultura, vista por muitos como uma cultura “menor”, menos importante, talvez por não ser algo físico.

Nascemos com o Youtube, crescemos com o Instagram e convivemos com o TikTok. Vimos o Tumblr a aparecer e desaparecer, passamos da Retrica ao Dazzcam, dos mp3’s ao Spotify. Nós e a maioria dos jovens da nossa geração. Como seria possível não criarmos uma cultura comum e diversa dentro deste espaço?

A partilha de experiências individuais, de conhecimentos e de aspetos culturais variados pelas diversas plataformas cria um mesclado de conteúdos que, uma vez virais, transferem-se para a “vida real”. Plataformas como o YouTube, o Vine e agora o TikTok são protagonistas neste fenómeno. Pequenos vídeos que se tornam tão conhecidos que se transformam em referências culturais da nossa geração, utilizados até em conversas. Falando em termos práticos, qualquer jovem português conhece o icónico meme “Juro Joca”. Este vídeo de 19 segundos, popularizado por volta de 2020, tornou-se tão conhecido que é atualmente utilizado em conversas, são feitas tote bags, pinturas e até azulejos em referência ao mesmo.

Apenas em Portugal podemos encontrar dezenas de exemplos como este, de vídeos ou frases que se popularizaram na internet e transcenderam para a vida quotidiana, criando assim uma cultura digital, que nada mais faz que acrescentar à tão rica cultura portuguesa. Afinal, o que seria do bom jovem português se não tivesse as frases “que informação dramática” ou até “olha tanta luz, parece um aeroporto!”?

Estas situações estendem-se ainda mais com a ascensão do TikTok e quão rápido se formam trends. Palavras como “slay” e, mais recentemente, “demure” que tão naturalmente se introduziram no nosso vocabulário diário são outros exemplos de como transportamos referências da internet para a nossa vida quotidiana, dando força a essa cultura. As danças reproduzidas por pessoas em todo o mundo, as expressões utilizadas, os vídeos criados e recriados centenas de vezes, tudo isto são pequenos pedaços que constituem a grande manta cultural digital.

O mundo digital é um lugar vasto, com poucas restrições à liberdade de expressão. Por isso, o uso desgovernado do mesmo pode tornar-se gravoso. No entanto, quando utilizado com caução e bom senso, dá azo a incríveis criações. Origina um bonito local de partilha e aprendizagem, de absorção de conhecimentos. A evolução trouxe-nos até aqui. A internet já faz parte das nossas vidas, já se embrenhou na nossa cultura. Não somos menos defensores da mesma se aceitarmos as adições que a era digital nos trouxe, afinal, ela não vai a lado nenhum.