O Dia Internacional para a Abolição da Escravatura, celebrado anualmente a 2 de dezembro, pretende consciencializar a população para a existência de situações de escravatura.

O Dia Internacional para a Abolição da Escravatura foi criado em 2004 pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de relembrar os governantes, líderes e a sociedade civil que é necessário acabar com esta forma de opressão. Segundo a ONU, estima-se que existam 21 milhões de vítimas de escravatura espalhadas pelo mundo.

Apesar de muitos países terem formalmente abolido esta prática no século XIX, as cicatrizes deste período permanecem evidentes, principalmente nas nações que foram afetadas pela exploração sistemática de seres humanos. Como aponta a historiadora Emília Viotti da Costa: “A abolição foi um ato jurídico, mas a verdadeira liberdade não foi concebida aos ex-escravos, que continuaram marginalizados na sociedade”.  À conversa com Laura Araújo, cidadã angolana com nacionalidade portuguesa, o ComUM pretende dar voz àqueles que nunca puderam dizer a sua verdade e relatar as suas experiências e a dos seus familiares.

Ao recordar o passado, Laura relembra os momentos em que a sua avó foi escravizada em Angola. Em conversa com o ComUM, partilhou que a sua avó, juntamente com o irmão, foi vendida como escrava. Desde daí nunca mais teve notícias do paradeiro do mesmo. “É curioso como ela nunca guardou mágoa pelo passado”, aponta Laura, que acrescenta que “o facto de nunca mais ter visto o irmão não tirou o seu lado bondoso”.

Laura relembra ainda como era andar pelas ruas e deparar-se com locais despovoados devido à escravatura. “Só em Angola, cerca de 5 mil milhões de negros foram levados para o comércio de escravos. Muitos africanos eram arrancados do seu país e enviados para a América”, explicou. Segundo Laura, este movimento forçado de pessoas marcou profundamente a demografia global: “É por isso que hoje vemos africanos espalhados por todo o mundo. No passado, não era assim. Tudo isso aconteceu por causa da escravatura”.

Ao longo da conversa, destacou também a importância do povo africano no contexto comercial da época, especialmente no comércio triangular. Este sistema entre três continentes- Europa, África e América- consistia num ciclo de trocas comerciais que tinha como base principal a exploração de pessoas escravizadas. O sistema começava nos navios europeus que levavam mercadorias até África para trocar por pessoas escravizadas. Os africanos capturados eram transportados em condições desumanas até chegarem ao destino, a América. Por fim, os produtos agrícolas produzidos pelo trabalho escravo, como o açúcar, algodão e o tabaco, eram enviados de volta para a Europa.

Embora a escravatura tenha sido abolida, as suas formas indiretas ainda persistem.  “Muitas pessoas trabalham sem um horário definido para terminar, recebendo salários miseráveis que mal sustentam as suas famílias”, comentou Laura. Além disso, não deixa de citar os eventos como a Black Friday, que atualmente a maioria das pessoas adora, mas que tem uma história sombria por trás. Naquela época, os escravos mais saudáveis e os seus filhos eram escolhidos e vendidos como mercadorias, evidenciando como a lógica de mercantilização das pessoas ainda ecoa nas práticas atuais.

Ainda hoje, em alguns países, principalmente africanos, a escravatura mantém-se de forma disfarçada e até mesmo crianças são vítimas desta prática. O trabalho infantil continua a ser uma realidade. Crianças são obrigadas a trabalhar em plantações ou minas sob condições degradantes, perpetuando um ciclo de exploração e desigualdade que tem origem no colonialismo e na escravatura. Estas práticas mostram que, embora a escravatura tenha acabado, os seus reflexos ainda moldam muitos aspetos da sociedade contemporânea.

Atualmente, grande parte da população desconhece a realidade da escravatura moderna, que inclui práticas como o trabalho forçado, tráfico de pessoas e exploração sexual. Embora tenha sido oficialmente abolida, formas de exploração humanas continuam a ocorrer em todo o mundo como, por exemplo, o trabalho infantil, onde as crianças são privadas do acesso à educação e à sua infância.

Em suma, o Dia Internacional para a Abolição da Escravatura serve como lembrete de que, apesar dos avanços legais no combate à escravatura, as cicatrizes deste período permanecem vivas na sociedade moderna. A conversa com Laura Araújo ilustra não apenas o impacto histórico e pessoal da escravatura, mas também as formas contemporâneas de exploração que ainda afetam milhões de pessoas. O trabalho forçado, o tráfico de seres humanos, trabalho infantil e outras formas de exploração seguem presentes em diversas partes do mundo, muitas vezes invisíveis e desconhecidas pela maior parte da população.