A 12 de maio de 2022, Hayden Anhedönia, conhecida artisticamente como Ethel Cain, lançou o álbum que a destacou como um dos talentos mais intrigantes desta geração. Em Preacher’s Daughter somos conduzidos pela trágica jornada da personagem e alter-ego Ethel Cain, uma jovem criada num ambiente religioso opressor, que acaba esmagada pelo destino.
Numa envolvente combinação de 13 faixas indie-rock, americana e pop alternativo, Cain contempla temas como a religião, o amor e as suas consequências. “American Teenager”, single mais bem-sucedido da artista até hoje, soma mais de 80 milhões de reproduções no Spotify. Com uma batida enérgica, a faixa apresenta uma crítica à vida no sul dos Estados Unidos, estabelecendo o tom para o resto do álbum.
Sendo o amor um dos temas mais ressaltados na obra, é impensável não mencionar “A House in Nebraska”. Numa batida lenta e sombria, as notas distorcidas do piano evocam perfeitamente as emoções que a letra descreve – a nostalgia e saudade de uma paixão passada. Já a cativante balada “Western Nights” contrasta com a faixa anterior, narrando a história de um amor marcado pela violência. Ethel revela sentir-se compelida a fazer todos os possíveis para agradar o parceiro, apesar da natureza destruidora da relação. O contraste entre a batida suave e apaixonante com a descrição de comportamentos autodestrutivos tornam a música numa das mais hipnotizantes de todo o álbum.
Ethel Cain abandona os conflitos amorosos e mergulha em temas ainda mais perturbadores na segunda parte do disco, onde a brutalidade e a morte assumem o protagonismo. Em “Hard Times”, a personagem recorda, sobre um instrumental inocente, momentos da sua infância que prenunciavam as intenções macabras do pai. Já em “Gibson Girl”, perde o seu senso de realidade ao ser constantemente drogada e prostituída pelo novo parceiro, Isaiah. Apesar das suas diferenças, ambas as faixas captam devidamente o seu desespero ao aperceber o quanto estas experiências a moldaram na pessoa que é agora.
É na nona faixa que a personagem conhece o seu apavorante destino. Em “Ptolemaea”, a trágica e violenta morte da jovem é descrita através de vocais graves distorcidos e num intenso grito no quarto minuto desta composição aterradora. A ironia do título está no facto de Ptolemaea ser o terceiro círculo do Inferno de Dante, destinado àqueles que traem os seus convidados. O autor deste crime tenebroso é, precisamente, Isaiah.
Seguem-se duas tocantes composições instrumentais, “August Underground” e “Televangelism”, que representam a ascensão de Ethel ao Céu. Em “Sun Bleached Flies”, a artista lamenta a sua falta de fé enquanto estava viva. Partilha a imensa vontade de deixar para trás a dor do seu passado em letras como “If it’s meant to be, then it will be” e “I forgive it all as it comes back to me”. A imensa repetição destas expressões na ponte salienta, precisamente, esta ânsia de encontrar a paz após o sofrimento.
Não havia desfecho mais impactante para esta obra senão a angustiante e comovente “Strangers”. Ethel Cain descreve um caso de síndrome de Estocolmo, utilizando frases perturbadoras como “You’re so handsome when I’m all over your mouth” e “Am I making you feel sick?” que deixam evidente o aterrador tema da faixa. Dos imaculados vocais da artista aos penetrantes riffs da guitarra, somos transportados para a mente distorcida da personagem. Ethel despede-se da mãe na esmagadora outro, terminando com a frase “Mama, just know that I love you/And I’ll see you when you get here”.
Preacher’s Daughter é um álbum que certamente não apela a todos. No entanto, para os sortudos o suficiente para entenderem a perspetiva de Ethel Cain, este é um disco revolucionário. Carregado de emoção, a complexidade moral não só desafia o ouvinte como também o convida a mergulhar numa narrativa trágica, no entanto, bela. Não é apenas um álbum: é uma experiência assombrada que ficará connosco por muito tempo. Verdadeiramente, um clássico moderno.
Artista: Ethel Cain
Álbum: Preacher’s Daughter
Editora: Daughters of Cain Records
Data de lançamento: 12 de maio de 2022