Nickel Boys, a estreia de RaMell Ross na ficção, saiu em Portugal a 27 de fevereiro deste ano. O filme é baseado no livro, de mesmo nome, de Colson Whitehead, publicado em 2019,vencedor do Pulitzer e considerado pela Time um dos melhores da década. A longa foi bastante aclamada pela crítica, tendo recebido duas nomeações aos Oscars.

A história segue a vida de dois rapazes afroamericanos, Elwood e Turner, num reformatório abusivo na Flórida, nos anos 1960. No meio das leis segregacionistas de Jim Crow, Elwood, um jovem brilhante, é injustamente preso e mandado para a Nickel Academy. Este é um lugar de racismo, violência e assassinato, onde os brancos podem jogar futebol, mas os negros são forçados a trabalhar no campo.

Apesar da história ser ficção, é grandemente baseada na escola real Dozier School for Boys, um reformatório na Flórida conhecido pelo tratamento abusivo dos estudantes. Durante os 111 anos em que a “prisão para crianças” esteve aberta, mais de 100 rapazes morreram ou desapareceram, tendo sido descoberto 55 sepulturas sem identificação no terreno.

Nickel Boys é gravado inteiramente do ponto de vista de uma pessoa, dando ao espetador uma experiência imersiva. No início, seguimos a infância de Elwood com a avó, apenas vendo a cara dele em reflexões. Aqui, a câmara olha para o mundo como se fosse um horizonte ilimitado e desconhecido, olhando muito para cima e sendo suave. Contrariamente, na academia, a câmara frequentemente olha para baixo, para evitar contacto visual com as pessoas, e é por vezes frenética. Quando os rapazes se conhecem, a perspetiva vai mudando entre eles, conectando-os ainda mais.

As atuações dos atores, Ethan Herisse e Brandon Wilson, ajuda nesta conexão, pois a única vez que os vemos é na perspetiva do outro. Depois de passar muito tempo com Elwood, finalmente vê-lo nos olhos de Turner é uma mudança surpreendente. Aqui finalmente conseguimos ver a cara dele e a maneira como ele anda: ombros curvados e desanimado.

Ao longo da instalação, o aspeto brilhante e esperançoso da primeira parte da longa vai mudando para a realidade sombria da academia. As crianças são tratadas como escravas, usando até roupas rotas e sofrem de violência absurda, sendo Elwood uma das vítimas. No entanto, o público nunca vê a violência: apenas ouvimos os sons e as consequências. Isto foi uma escolha feita pelo realizador para evitar fazer um espetáculo de violência sádica branca contra corpos negros. Pelo contrário, Ross embala todas as crianças negras numa luz bela e suave. Mesmo quando a história se torna cruel, o diretor insiste na beleza como imperativo, dando poder às personagens pela cinematografia.

Um dos temas mais importantes é o movimento dos direitos civis. Passado nos anos 60, o filme representa a realidade de um adolescente negro a aprender a lutar pelos seus direitos. Muitos discursos de Martin Luther King Jr são tocados pela longa e Elwood junta-se a um grupo de protestos. Este seu interesse é algo que o torna vulnerável, mas também lhe dá força. Ao ver as barbaridades da academia, o protagonistasofre um choque, pois é firmemente crente, como Dr.King, que o arco moral do universo curva-se para a justiça.

Todas as cenas do filme são vividas e imersivas, o que torna o seu fim ainda mais emocional. Nos flash-fowards, vemos Elwood em adulto a viver em Nova Iorque. Trabalha numa companhia de mundanças, mas tem uma obsessão sobre as investigações a acontecer na antiga Nickel Academy. Ao descobrirem campas não identificadas, ele aprende a aceitar e a superar a culpa de sobrevivente.

Nickel Boys é uma história brilhante sobre crescer num ambiente abusivo. Com técnicas de filme interessantes e atuações comoventes, o filme foi considerado um dos dez melhores filmes de 2024 pelo American Film Institute. Na 97ª edição dos Oscars, apesar de ser nomeado a Melhor Filme e Melhor Guião Adaptado, foi ignorado e esquecido, tendo sido o único dos principais nomeados não mencionado durante a íntegra da cerimónia. No entanto, o filme permanece uma obra essencial, evocando vozes poderosas e uma reflexão sobre o passado e o presente.