Apesar de ter apenas quatro episódios, Adolescence está a dar que falar por todo o mundo. Não há dúvidas: a minissérie é extremamente difícil de ver. O motivo? Os temas complexos e assustadoramente atuais que aborda.

Adolescence conta a história de um rapaz de 13 anos que foi acusado de matar Katie, uma colega de turma, levando um detetive da polícia, uma terapeuta e a família a questionar o que realmente aconteceu. A história passa-se no Reino Unido e a ideia inicial ocorreu ao ator Stephen Graham após uma série de crimes violentos entre jovens britânicos. Graham colaborou com o roteirista Jack Thorne para trazer à vida esta série que questiona o porquê dos rapazes andarem a cometer atos tão violentos a raparigas.

Cada episódio segue a perspetiva de uma personagem diferente em quatro momentos distintos após o crime. A série é filmada em tempo real utilizando a técnica de “one-shot”, em que os episódios são filmados num só take, sem nenhum corte de edição, o que cria uma sensação de continuidade fluída e imersiva na narrativa. Apesar de todos os atores brilharem, é Owen Cooper, o ator que interpreta Jamie, que se sobressai com uma atuação poderosa e até chocante, considerando que este é o seu primeiro papel.

A série aborda as consequências do bullying, as dificuldades que vêm com ser um adolescente a crescer e tentar navegar no mundo moderno e cruel das redes sociais, e, também, o tema da radicalização. Adolescence é tão autêntica que chega a ser dolorosa: o espetador tem a sensação de estar a ver a vida real a acontecer, ao invés de ser algo apenas fictício. Muito mais do que uma série, é um espelho dos problemas que o mundo está a vivenciar.

Os primeiros dois episódios são, por si só, inesquecíveis. Enquanto seguimos o momento de detenção de Jamie e a investigação do detetive Luke Bascombe pela escola, vemos um ambiente de caos total, bullying e desordem. No entanto, é no terceiro episódio que a série se eleva ao patamar de excelência. A maneira única da série ser filmada, sem cortes na edição, deixa o espetador fascinado com o talento dos atores em conseguir carregar o episódio por uma hora inteira sem cometer erros, completamente imersos no seu papel.

O episódio passa-se num centro de detenção juvenil e é maioritariamente filmado em apenas uma sala. Segue a perspetiva de Briony, a psicóloga encarregue de avaliar a saúde mental do adolescente para realizar um relatório pré-julgamento através de uma entrevista.

Os sessenta minutos que  compõe o episódio são cheios de momentos tensos que agarram a atenção do espetador. A intensidade da entrevista vai aumentando à medida que Jamie revela partes do seu psicológico verdadeiramente assustadoras. No final, o espetador sente-se tão chocado como Briony pela crueldade casual que Jamie expressa na sua ideologia. Mais do que retratar apenas um indivíduo como o problema, a série deixa claro como o verdadeiro perigo é a radicalização e como as ideologias extremistas se têm vindo a propagar pelos jovens, que se influenciam e moldam uns aos outros.

O último episódio demonstra a dicotomia entre o ambiente escolar “selvagem” e o ambiente familiar afetuoso da vida de Jamie. Apesar da dificuldade do pai em processar emoções, dos seus momentos de raiva e imaturidade, Jaime foi criado num ambiente repleto de amor e segurança.

Este capítulo aprofunda uma pergunta extremamente complexa: como lidar com a culpa daeducação do filho, que não foisuficiente para o impedir de cometer um crime tão atroz? Como é que não previram isto? Poderiam ter feito mais?

Os pais de Jamie chegam à conclusão que, sim, poderiam ter feito mais, num momento de profunda carga emocional. A série fecha com uma  cena de partir o coração, em que o colapso do pai de Jamie leva o espetador a sentir o verdadeiro peso das consequências do assassinato em todas as pessoas envolvidas: tanto na vida de Jamiecomo de Katie.

A filmografia é marcante e a banda sonora assombra os momentos de maior abalo. Por ser tão pequena, a minissérie deixa muitas perguntas em aberto, e desperta em todos os que a vêm a vontade de saber mais e mais sobre os personagens e o que se passou. Apesar de ter vários momentos mais lentos, é uma série que vale a pena verpelo debate importantíssimo que desperta.

Adolescence é já um fenómeno que está a ter um impacto significativo não só nas audiências, como também no próprio governo do Reino Unido. Ao consciencializar as pessoas quanto ao impacto do conteúdo misógino presente no mundo digital nos jovens, o próprio primeiro-ministro do Reino Unido está a considerar apoiar uma eventual campanha para levar a série até ao Parlamento britânico e às escolas do Reino Unido.