Lançado no início de março, Ganga com Ganga marca o regresso de Miguel Luz aos discos, num segundo álbum que revela um artista mais maduro, mais vulnerável e, sobretudo, mais coeso. Com doze faixas que exploram o amor, a dúvida e o tédio quotidiano, o projeto apresenta-se como um retrato íntimo, não de grandes epopeias emocionais, mas da vida tal como ela é: rotineira, confusa, por vezes banal, mas sempre sentida.

Miguel Luz / X

Conhecido pela sua versatilidade no meio digital, Luz tem vindo a construir um percurso musical que ganha agora um novo fôlego. Ganga com Ganga não tenta reinventar o pop; prefere antes usá-lo como tecido para costurar pequenas histórias de sentimentos gastos, mas ainda confortáveis, tal como o próprio título sugere. A ganga, símbolo de algo simultaneamente resistente e usado, serve aqui como metáfora central: o mesmo material por dentro e por fora, a mesma textura, com pequenas variações de tom.

A primeira faixa, Rendez-Vous, abre o disco num registo contido, quase suave. Mas é nesse “quase” que está o charme: o artista contorna o sentimentalismo com uma ironia subtil, mantendo sempre um pé fora da emoção desmedida. Frases como “Estas coisas que eu não faço dizem coisas que eu não digo” exemplificam a tensão constante entre exposição e contenção.

Segue-se Amor de Ganga, a canção que dá cara ao álbum. A melodia é despretensiosa, mas a letra carrega incertezas ternas. “Quero que ele dure a vida toda como estas calças de ganga” seria, noutra voz, uma banalidade, mas dita por alguém que parece realmente acreditar no que canta, ganha peso e graça. O amor, assim vestido, torna-se mais real.

Ao longo do álbum, há uma linha emocional que atravessa as faixas como uma costura invisível. Pessoas Normais é um dos momentos mais luminosos do disco É dançável, leve, quase pop de verão, mas com uma doçura que roça o existencial. É essa combinação entre ritmo e reflexão que torna a faixa tão cativante, como se fosse possível dançar enquanto se pensa no sentido da vida. Já Bomba Relógio introduz tensão, mas sem recorrer a dramatismos forçados. O registo move-se entre o indie rock, o pop alternativo e uma melancolia tipicamente portuguesa, que nunca se torna excessiva.

Canções como 2000, Beco Sem Saída ou Queres Ir Dar Uma Volta Ao Bilhar Grande? olham para trás: para a infância, para as frustrações amorosas, para os ciclos emocionais que se repetem. São crónicas sentimentais mais do que baladas, com uma escrita que prefere o detalhe à grandiloquência. Nem todas ficam no ouvido, mas todas pertencem ao mesmo universo.

Na fase final, Luz arrisca mais na produção: Homem Duplicado e O Factor Novidade trazem elementos mais experimentais e atmosferas diferentes, sem perder a identidade do disco. A vontade de explorar novos caminhos está lá, mas sempre com os pés bem assentes no chão daquilo que o artista quer dizer e como o quer dizer.

Ganga com Ganga é, acima de tudo, um álbum honesto. Não ambiciona ser um manifesto nem um statement artístico. É um conjunto de canções pequenas, frágeis, com arestas, mas incrivelmente humanas. E no meio de um panorama pop cada vez mais ruidoso e artificial, essa franqueza sabe melhor do que nunca.