Com a atenção voltada para os jovens, é cada vez mais importante o aconselhamento dos mesmos.
Durante as últimas semanas foi impossível não ouvir falar de todos os casos de violência doméstica, agressão sexual e violação. Na verdade, as estatísticas apontam para que se ouça falar cada vez mais. Isto porque, em 2024, foram registados um total de 543 casos de violação em Portugal. Não só é o número mais elevado da década, é também o número mais elevado de sempre. Desde 1998, só uma vez havia o número de queixas anuais de violação ultrapassado os 500; em 2022.
Os casos dos três rapazes de Loures, com auxílio da série “Adolescência”, da Netflix, viraram os holofotes para os mais jovens. Apesar de estar a ser tratado como uma novidade, há muito que rapazes exercem atos de violência sexual sobre raparigas. O grande problema sempre foi a naturalidade com que se tratou este assunto. “São coisas de rapazes”, “não se pode fazer nada”, “é normal” são frases que ouvi várias vezes durante a adolescência. Em contrapartida, raparigas vêem-se forçadas a aprender a prevenir violações, a moderar a forma como falam com rapazes, a ter atenção à roupa que vestem.
Feliz ou infelizmente, estes casos já não se podem tratar com a mesma naturalidade. Muito por causas das novas proporções que tomam com ajuda de redes sociais. Não são as plataformas que devem ser vilanizadas, mas sim quem se aproveita delas. Ao passar alguns minutos em apps como “Instagram” e “TikTok” rapidamente se encontram os auto-intitulados “gurus da masculinidade”. Homens que tomaram como propósito de vida doutrinar outros sobre o modo como a sociedade, ao defender a igualdade das mulheres, se está a tentar apoderar da masculinidade deles.
Muitos destes defendem que a melhor forma de contrariar esta pseudo-cabala é tratar mulheres apenas como simples objetos, cujo único propósito é serem conquistadas e rebaixadas.
Lá fora, surgem personalidades como Andrew Tate e o irmão, autointitulados misóginos. Recentemente, os seus nomes foram várias vezes mencionados, devido às suas restrições de viagem terem sido levantadas pelos procuradores. Os irmãos, detidos na Roménia, onde eram investigados por crimes de tráfico humano, tráfico de menores, relações sexuais com menor e branqueamento de capitais, regressaram agora aos E.U.A., onde continuam a propagar os seus ideais machistas e misóginos.
Apesar de parecer um caso recente, os irmãos já produzem este tipo de conteúdos desde antes da pandemia de Covid-19. É fácil desvalorizar um vídeo deste tipo e alegar que “são coisas da internet, não passa disso”. Mas não, já não são só coisas da internet.
O caso dos três rapazes de loures é a prova disso mesmo. Considerados influencers, pelos milhares de seguidores que possuem, violaram e filmaram uma rapariga de 16 anos, tendo posteriormente publicado o vídeo nas suas redes sociais. Os jovens estão agora sujeitos a apresentações semanais na esquadra local, mas foram libertados. Se houver algum agravamento de perturbação da ordem pública, podem ser consideradas medidas como prisão preventiva ou detenção em casa, mas de momento, o tribunal acredita não ser o caso.
O que mais se destaca é não ter havido nenhuma denúncia por parte de quem viu o vídeo. Apesar de a partilha não consensual de imagens íntimas não ser um crime público, o vídeo não foi reportado uma única vez e foi preciso a vítima se deslocar até ao hospital para as autoridades tomarem conhecimento do caso. Mesmo com um crescimento de mais de 80% do número de queixas e acusações de assédio sexual na última década, ainda compactuamos demasiado com este tipo de agressões.
Aos homens foi-lhes ensinado que é aceitável e às mulheres que devem aceitar, em silêncio. Não podemos deixar que este seja o problema de mais uma geração. Com os holofotes virados, mais do que nunca, para os jovens, é preciso lembrar também a importância do papel dos pais. É preciso que se falem dos problemas e é preciso que se ensine a distinção entre o certo e o errado.
Um pai deve saber o tipo de conteúdo que um filho consome, para o poder aconselhar da melhor forma. O acompanhamento deve ser constante, quando o perigo também o é.
Quando se tem o primeiro contacto com este tipo de conteúdo em idade adulta é pouco provável que suscite algum tipo de identificação. Quando o primeiro contacto acontece na adolescência, no momento de formação de caráter e construção de opiniões, o resultado pode ser consideravelmente mais nocivo. A verdade é que, se uma criança ouvir muitas vezes que a sociedade foi construída com o intuito de a diminuir e oprimir, ela vai, muito provavelmente, crescer a acreditar nisso. Estamos a testemunhá-lo em primeira mão.


