Num contexto de escassez de profissionais de saúde e desafios estruturais, os enfermeiros continuam a desempenhar um papel essencial no sistema de saúde português.

Assinala-se esta segunda-feira, 12 de maio, o Dia Internacional do Enfermeiro. É uma data que relembra a importância de uma profissão essencial, muitas vezes invisibilizada. Os enfermeiros estão presentes nos momentos mais frágeis da vida humana, sendo um pilar do sistema de saúde. Contudo, continuam a enfrentar desafios estruturais, como a falta de valorização profissional e o desgaste emocional.

João Cruz, enfermeiro no Hospital de Braga, conta ao ComUM que a sua vocação nasceu no voluntariado nos bombeiros, onde desde cedo (com cerca de 15 anos) aprendeu “a magia de ajudar o outro”. Reconhece, porém, que exercer a profissão em Portugal é um ato de resistência, onde “os enfermeiros portugueses são referência mundial pela sua competência, mas são deficitariamente tratados, incentivados e valorizados no país onde escolheram ficar”. Para além da escassez de reconhecimento institucional, refere que a profissão é frequentemente incompreendida pela sociedade, que tende a ignorar a complexidade e a especificidade do seu trabalho.

A pandemia da COVID-19 expôs de forma clara o papel dos enfermeiros na linha da frente, mas os aplausos deram rapidamente lugar ao esquecimento. “A visão e a importância deste elemento veio ao de cima, mas desvaneceu rapidamente e as palmas deram lugar ao desinteresse, à falta de investimento, ou seja, de regresso à normalidade”, lamenta. João Cruz sublinha, ainda, a força emocional que é exigida aos profissionais, que lidam com o sofrimento, a perda e a esperança diariamente: “O olhar e o obrigado do doente tornam-se gigantesco, é isso que nos alimenta”.

Num país com mais de 80 mil enfermeiros (segundo dados de 2023 da Ordem dos Enfermeiros), Portugal continua a apresentar um rácio abaixo da média europeia: 7,52 enfermeiros por mil habitantes, quando a média da União Europeia ronda os 9,2 (dados da OCDE, 2022). Um inquérito realizado pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) em 2023 revelou que cerca de 60% dos enfermeiros considera abandonar o SNS devido à exaustão e à ausência de progressão na carreira. Para além disso, o país enfrenta o desafio da emigração de profissionais, onde, em 2023, cerca de 1.600 enfermeiros saíram de Portugal, tendo a Suíça como principal destino.

A par da sobrecarga de trabalho e da precariedade, a saúde mental dos enfermeiros é uma preocupação crescente. Segundo o estudo “NursesMH#Survey2024”, 74,3% dos profissionais percecionam negativamente o seu estado psicológico e 91% relatam disfunção social. Além disso, 87,4% sofrem de ansiedade e insónia, 79,4% apresentam sintomas somáticos e 28,8% indicam sinais de depressão grave. Estes números refletem um agravamento significativo face a anos anteriores. Revela-se, assim, um cenário de exaustão emocional que compromete o bem-estar dos profissionais e, consequentemente, a qualidade dos cuidados prestados.

Para os futuros profissionais da área, João Cruz deixa uma mensagem direta: “A enfermagem tem de continuar a ser uma arte, o enfermeiro cuida de todos”. “O compromisso com a profissão tem de estar sempre assegurado, mesmo quando achamos que não somos valorizados”, acrescenta.

Questionado sobre as mudanças que gostaria de ver na profissão, aponta a valorização da classe profissional e incentivo ao desenvolvimento da carreira. Destaca, ainda, a necessidade dos próprios enfermeiros se afirmarem como pilares fundamentais do SNS e “assumirem-se no crescimento educacional da população, principalmente nas gerações futuras, na união e na capacidade de decisão e implementação de modelos atualizados”. “Menos discussão e mais ação”, reforça.

Apesar das dificuldades, João Cruz encontra sentido no impacto silencioso, mas profundo da enfermagem. Para ele, “estar presente nos momentos mais frágeis e decadentes da vida humana” traz a perspetiva de que os pequenos gestos têm um peso imenso – como “o simples ‘obrigado’ do utente/doente”. Acrescenta, ainda, que o reconhecimento por parte dos colegas e da equipa multidisciplinar é igualmente marcante. “Se formos um exemplo, se atuarmos pelo exemplo e recolhermos reações positivas da equipa, isso já é, por si só, um momento memorável na carreira”, conclui.